segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ineficácia da justiça eleitoral?

Ricardo van der Linden Coelho*



É comum sustentar-se o contrário, mas a verdade é que o Brasil tem uma disciplina eleitoral avançada, uma justiça eleitoral eficaz. O que o país não tem é um sistema político adequado. Daí porque a incursão reformista do Congresso Nacional deveria estar no modelo político, não no eleitoral. O sistema atual é ineficaz e expõe as vísceras de um Estado, cujo apego a velhas práticas do fazer política, resistem como um cadáver insepulto.

A justiça eleitoral, mais do que qualquer outro ramo da Justiça, tem compromisso firme com a celeridade, seus prazos são curtos e preclusivos. Alguns avanços foram obtidos com a recente reforma legislativa. Sentindo as críticas dirigidas à demora no processo de cassação, foi estipulado que os processos de cassação (do diploma ou do mandato) devem durar no máximo um ano (novo art. 97-A da Lei das Eleições).

O prazo parece longo, mas um processo de cassação passa por três instâncias da Justiça Eleitoral, devendo atentar ao compromisso constitucional com a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVII, da CF). A questão da eficácia imediata das decisões também é importante. O cassado deve aguardar fora do cargo o julgamento dos recursos que lhe interessam. Ausência de efeito suspensivo para os recursos, na linguagem mais técnica. Só assim realmente se concretiza o princípio da celeridade.

Aqui, como em nenhum outro ramo do direito, vale uma máxima do processo: é preciso sacrificar o direito improvável em nome do provável. Cassar mandatos na Justiça Eleitoral envolve riscos que devem ser distribuídos de forma equânime. Alocar este risco apenas na lógica de proteção do eleito (de forma ilegítima, muitas vezes) é miopia processual que está a serviço da impunidade. Neste caso é a transparência, e não o obscurantismo, que deve nortear a busca de segurança para todos, e não apenas para o dono do sistema. Esta sabedoria, tão velha como a própria democracia, está no ditado que diz ser o preço da liberdade a eterna vigilância. Está também na lei eleitoral 9.504/97, em seu artigo 66.

E é precisamente no respeito aos mais elementares princípios da Ética que se observam com maior clareza as fissuras que podem, hoje, comprometer o edifício da democracia que tentamos construir. Indicar as rupturas de um homem público nos princípios éticos e morais não é tentativa de solapar os entes do Estado. Significa, ao contrário, clamar por um choque de ética fundamental para edificação de uma cidadania plena.

No sistema atual o Congresso Nacional nunca será o espelho da sociedade. Para que isto ocorra é necessária uma reforma política, de modo a fornecer consistência e respeitabilidade ao regime democrático, pois nenhum regime se sustenta em ambiente de descrédito em torno de seus agentes políticos. A reforma pretensa pode, por exemplo, aprimorar a vinculação política dos eleitores com os representantes escolhidos pelo sistema proporcional, por intermédio do voto distrital puro ou misto. Nas eleições proporcionais de hoje, os deputados são obrigados a catar votos por todo o Estado, garimpando aqui e ali - um processo caro e incerto, porque eleitor em geral não sabe como discriminar entre dezenas de representantes eleitos. Como é que o eleitor médio vai se lembrar de quem propôs medidas ou leis, para poder avaliar quem merece o seu voto?

Um americano ou um inglês pode falar no "seu" deputado: sabe exatamente quem ele elegeu e tem como cobrar respostas ao representante do "seu" distrito. O alemão, com um sistema misto, tem o "seu" deputado distrital e também o da lista do seu partido. E, como o regime é parlamentarista, pode cobrar de ambos. Necessário também, se acabar com o “abuso autorizado” do poder econômico, através da instituição do financiamento público exclusivo e controle rigoroso de gastos.

Neste sentido, será inadmissível uma reforma cosmética, de fachada. Uma reforma, com o significado de avanço, deve contemplar a meta de maximizar a expressão da vontade popular, aumentar a transparência e a eficácia dos instrumentos de combate à corrupção, aperfeiçoando, dessa forma, as instituições republicanas.

Outra conclusão é imperativa, a democracia está em risco quando alguns de seus corolários básicos, o Estado de Direito, o acesso à Justiça, à liberdade, à plena igualdade entre os cidadãos, o equilíbrio entre os poderes da república e o estrito respeito à ética na política, sofre ameaça de colapso. Contra um sistema tão ruim, tanto faz se os políticos são santos ou bandidos. Num ônibus sem freios, o perigo de desastre é o mesmo para todos.

Os operadores do Direito, representantes do Ministério Público, advogados, magistrados, atuando na linha de frente da justiça eleitoral, apóiam uma reforma política abrangente, que represente na prática um choque ético, inadiável para o pleno exercício da cidadania em nosso país. É essa a expectativa da sociedade civil brasileira.

*Promotor de Justiça. Mestre e Doutor em Direito Público

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