
LUIZ FLÁVIO GOMES*
O site Folha.com (dentre outros) noticiou a “prisão” do comediante Oscar Filho, do humorístico “CQC” (Band), na tarde de 11.02.11, em São Paulo.
“Tenho uma informação: estou sendo conduzido para a delegacia… CQC de volta a ativa!”, escreveu no Twitter.
“Nossa!!! To sendo preso pelos artigos 45 e 46!!! Tão me falando que vão me levar pra Fundação Casa”, brincou em seguida.
Segundo informações da Polícia Civil do Estado de São Paulo, o comediante, junto com uma equipe do programa, foi abordado na rua Oscar Freire.
Todos teriam sido “presos” pela contravenção penal do art. 46 da Lei das Contravenções Penais. Motivo: é que parte deles estava usando fardas da Polícia Militar, o que é considerado uma contravenção leve. Para a reportagem, eles estavam vendendo mercadorias “roubadas”.
De acordo com nossa opinião não houve nenhuma infração penal. E, se houvesse, não caberia nenhum tipo de prisão.
O art. 46 da Lei das Contravenções Penais cuida do uso ilegítimo de uniforme ou distintivo. É infração de menor potencial ofensivo, punida com multa. Não cabe prisão em flagrante nesses casos. O agente é levado para a delegacia apenas para fazer o registro da ocorrência (e, em seguida, é liberado). O agente tem direito de livrar-se solto (CPP, art. 321).
O comediante e sua equipe estavam gravando imagens para um futuro programa televisivo. Não havia a intenção, claro, de enganar ninguém com o uso da farda militar. Não se passavam por policial militar para enganar qualquer pessoa ou obter qualquer tipo de vantagem. O que a lei penal quer evitar é o uso ilegítimo de uniforme ou distintivo, ou seja, o uso que possa trazer algum benefício para o agente, que possa iludir alguma pessoa. Esse é o “animus” exigido pelo crime. No caso, o humorista do CQC (e sua equipe) atuava com “animus jocandi” (ânimo de brincadeira, de humor).
Não se achava presente o dolo exigido pelo art. 46 da LCP. Logo, não havia infração nenhuma a ser perseguida. Nem sequer deveriam ter sido levados para a delegacia. A realização formal daquilo que está escrito na lei não é suficiente para caracterizar o ilícito penal. Além desse plano formal, dois outros são necessários: o material (infração efetivamente lesiva a terceiros) e o subjetivo (dolo e suas intenções especiais).
É muito comum em peças de teatro os atores usarem uniformes policiais. Aqui está presente o “animus jocandi”. Não existe crime algum. O uso punido pela lei é o “ilegítimo” (o enganoso, o fraudulento, o criminoso). O uso por brincadeira ou para o efeito de uma representação teatral ou cinematográfica está fora do âmbito do que está proibido pela lei. É um nada jurídico, do ponto de vista penal.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001)
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